A última viagem de Agostinho Macau
Em Agosto de 2009 o mundo dos clássicos ficou mais pobre, os passeios vespistas foram menos alegres: morreu Agostinho Macau, depois de prolongada luta contra a doença que o atacara em 2007. Os seus últimos dias foram passados em casa, rodeado pela família e pelos amigos de sempre.
Tive o privilégio de o conhecer meses antes da partida, na sua oficina, rodeado de símbolos que mereceram ensaios de Umberto Eco, crónicas de Antonio Tabbuchi, filmes como La Dolce Vita de Federico Fellini, decorações assinadas por Salvador Dali.
Falou-me da vida, dos petiscos que preparava para o Guerreiro e outros amigos, das visitas à sua terra no Alentejo, do carinho pelas suas “belas meninas que conhecia por dentro e por fora”.
Nascido em 1933, tinha 13 anos quando Enrico Piaggio exclamou “parece uma vespa!” diante da proposta de um “veículo fácil de guiar por homens e mulheres, que pudesse levar duas pessoas e que impedisse o sujar das roupas “ de que tinha incumbido o Eng.º Corradino D'Ascanioo. Em meados da década de 60, entusiasmado pela consulta de um exemplar do Boletim do Clube Vespista de Lisboa, descobre o prazer da condução numa 150, descansando agora o seu chassi num canto da oficina, ao lado de todo o tipo de objectos que Macau guardava.
Lembro agora que ao entrar no seu espaço pela primeira vez fui transportado para outro Macau, território agora chinês, tal a semelhança com as lojas dos antiquários mais populares daquelas paragens, autênticos sotãos repletos de tesouros por descobrir.
No mundo do nosso Agostinho Macau a paixão pelas Vespas não o impediu de se especializar em diversas outras marcas, podendo encontrar-se motores Puch, restos de uma Tryumph, pedaços de Sach Lebre, peças soltas que ajudaram a construir uma vida.
Em Abril a Vespa fez 63 anos, Agostinho Macau faria em Agosto 77. Morreu exactamente um ano depois da edição da Revista MotoClássica n.º5 que me mostrou com orgulho, contente pelo reconhecimento da sua arte. É também por isto que a revista se está a tornar essencial, como forma de descobrirmos artistas que de outra maneira passariam despercebidos.
À noite, enquanto esperava pela partida, conta-me a sua filha que pronunciava frases aparentemente desconexas, onde amor se misturava com vida dura e mãos sujas de óleo teciam sustento e arte.
Fiquei com o seu último trabalho, uma 50S cinzenta trazida há muito por alguém de Angola, onde as dores da doença iam sendo esquecidas pelo prazer do restauro.A MotoGraziela, moldada a partir de peças de diversas marcas para o seu pai se deslocar vendendo cautelas, ficou na família onde sempre pertenceu.